domingo, 17 de outubro de 2010

parte I


      Naquela noite aconteceu algo que, definitivamente, não deveria acontecer em hipótese alguma.
      Depois que tudo o que aconteceu, fiquei desesperada. Não deveria ter sido daquele jeito, muito pelo contrário! Minhas expectativas voaram como um punhado de areia sendo levada pelo vento. Não tinha sido exatamente eu que tinha feito aquilo. Agora só restava saber o que ele estava pensando, se é que a essa altura ele ainda estaria vivo.
      Durante todo o caminho de volta para a minha casa eu fiquei pensando em tal fato enquanto ela começava a encher a minha cabeça de culpa, mais uma vez. Aquilo não parecia justo.  Tínhamos feito um trato: Eu não a atormentava e ela não me atormentava. Como sempre, não deu muito certo. Porque tinha de ser assim todas as vezes que alguém gostasse se mim, aparentemente, de verdade? Ela sempre tinha que impedir, mas por quê? Deveria mesmo acabar sempre em sangue por todos os cantos? Isso não me agradava desde o dia que tomei tal decisão – mesmo sendo totalmente inofensiva, sem querer. Eu era apenas uma criança naquela época, uma criança sem escolhas o suficiente para deduzir o que era bom para mim mesma, eu só queria o bem da minha amiga imaginária – decisão maldita, literalmente. Ela tinha que sair antes que usasse o meu corpo mais uma vez para fazer mais algum mal. Eu não era assim, aliás... eu não sou assim. Ela estaria tomando minha mente também? Não. Eu não deixaria isso acontecer.
      Todo aquele sangue, toda aquela morte, com tudo aquilo eu já havia me acostumado. Eu não ficava tão aterrorizada quanto antes, mas sofria cada vez mais. Como me livrar desse demônio dominador de mentes? Sempre estive perdida, como o “caminho certo” e o “caminho errado” estavam tão juntos? Eu queria o bem dela. Para falar a verdade, eu tinha pena dela: tão solitária... tão inofensiva... tão doce. Ela me fazia rir, nós zombávamos dos doutores em que minha mãe nos levava para resolver algum problema – que eu não deduzia qual era – que ela sabia o que era mas se recusava a me falar. Era tão bom nossas conversas sem palavras, nossas gargalhadas silenciosas, nossos segredos bem guardados, nossos pactos de amizade. Mas foi em um deles que tudo virou do avesso na minha mente:

 “Pule, Julie! Vai ser divertido, te garanto. Você não é minha amiga de verdade? Vamos lá!”
“Mas... Maggie,  mamãe disse que é muito perigoso ficar perto disso.”
“Julie, o que há com você? Vamos, pule! Será divertido. Quando chegar lá em baixo eu te conto mais um segredo meu, o que acha?”
“Maggie, eu não sei... acho melhor ficarmos aqui porq...”
    E alguma força – que não era minha – me puxou bruscamente para além da janela sem proteção alguma. Caí em cima de algo que fez minha garganta sufocar, parecia unhas encravadas no meu pescoço - talvez não só parecesse, como fosse – e a voz de Meg gritando para me entregar, para não abrir os olhos se não a levariam para longe de mim.
“Não! Não vou abrir meus olhos Maggie! Maggie! Não vá! “
E então, uma voz sombria como as de filmes de terror – que eu vi uma única vez na vida porque Maggie queria que eu assistisse – com uma ponta de sarcasmo me agradeceu e, desde então, nunca mais partiu de dentro da minha mente e dos meus sonhos.

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